Alguma vez te sentiste no caminho errado?

Alguma vez te sentiste no caminho errado? Com a sensação desesperante de que a única solução seria voltar tudo atrás e recomeçar? Foi assim que me senti quando terminei a licenciatura. Estava completamente perdido. Tinha passado os últimos cinco anos a confiar no cruise control que me levaria seguro até uma terra de sucesso. Secretamente desejava poder regressar a um momento anterior à decisão de estudar Engenharia e Gestão Industrial. Então poderia fazer a escolha certa! Aquela que me levaria até à vida feliz e com significado que eu tanto procurava.

É normal acreditar que o caminho não percorrido teria sido melhor, mas é uma ilusão. Não há atalhos para a vida. Não é possível andar para trás no tempo, nem saltar para a frente. Este é o nosso fado ㅡ aceitar cada passo que demos e escolher onde colocamos o próximo pé.

Como não era possível regressar cinco anos atrás, decidi desligar o cruise control e travei a fundo. Fiz uma paragem para refletir antes de me lançar nos intermináveis kilómetros do mundo profissional. Decidi deambular pelos meus desejos, à procura do que é que queria fazer com a vida. Viajei. Escrevi. Li.

Passados seis meses não tinha chegado a nenhuma conclusão e as minhas poupanças estavam a esgotar-se. Percebi que teria de começar a trabalhar. Talvez assim descobrisse algo novo. Enquanto procurava onde ia começar essa minha brilhante futura carreira, recebi propostas de três empresas. Recusei as grandes consultoras e escolhi o caminho que menos conhecia. Integrei a equipa comercial de uma software house multinacional. Durei apenas quatro meses. Aprendi que sou um peixe-fora-de-água no mar comercial. Quem me conhece dirá: “Eu já sabia que isso não era para ti!”.

Conheces este paradoxo da vida? Toda a gente me conhece melhor do que eu próprio, mas por mais que me avisem do que parece óbvio, eu não o aceito até o sentir na pele.

Saí da multinacional e fui trabalhar para uma associação empresarial portuguesa. Foi uma experiência completamente diferente de tudo o que tinha feito até ao momento. Dei por mim no mundo dos empresários todos-poderosos. Estive numa reunião com o lendário Belmiro de Azevedo em que tive o privilégio de ele me dirigir a palavra: “Rodrigo, pode por favor pôr o slide anterior”. Colaborei com o então Presidente da República Jorge Sampaio, quando ele insatisfeito com a posição de uma mesa agarrou no tampo e pediu-me: “Agarre aí desse lado”. Perante a atrapalhação da comitiva presidencial deslocámos a mesa meio metro para o lado.

Durei quase três anos na associação. Sentia-me bem e era competente no meu trabalho. Ainda assim, a sensação de que não estava no caminho certo continuava presente. Às vezes fantasiava que também eu poderia ter nascido com um talento que definiria a minha vida. Como aquelas pessoas que desde pequeninos sempre souberam que iam ser músicos, atores, médicos, astronautas.

Experimentei regressar a uma estrada conhecida da minha infância e adolescência. A estrada dos computadores. Tornei-me programador. Rapidamente descobri que era incompetente. Faltavam-me cinco anos de estudo de teoria, que eu desperdiçara a estudar matérias fascinantes como Contabilidade, Macroeconomia e Elementos de Eletrotecnia. Essa incompetência levou-me a um caminho onde podia conjugar tudo o que tinha aprendido durante o meu curto percurso profissional ㅡ o mundo da gestão.

Comecei por gerir projetos, depois clientes e finalmente pessoas. Onze anos depois de ter terminado os meus estudos de engenharia, tinha-se tornado claro que me dava prazer ajudar grupos a serem mais funcionais e ajudar pessoas a serem mais felizes. Decidi voltar a estudar. Em vez de ir fazer um MBA, fui estudar Psicoterapia Corporal. Estou a começar o terceiro ano.

Mais do que a passagem de ano, o início do ano letivo costuma ser o meu momento de reflexão sobre escolhas de vida. Neste regresso de férias apercebi-me que essa vontade de voltar tudo atrás e recomeçar desapareceu. Não sei se estou no caminho certo, mas a sensação de estar encurralado e resignado a um caminho errado desvaneceu-se. E eu não me apercebi do momento em que isso aconteceu.

Constatar essa transformação lembra-me o que Alexander Lowen disse em “Medo da Vida” ㅡ só quando aceitamos o nosso fado é que surge a possibilidade de nos libertarmos dele. A psicoterapia tem-me ajudado muito nesse processo de aceitação, de quem sou e dos passos que dei até aqui. Essa aceitação não tem funcionado como uma resignação, mas sim como uma fonte relaxada de energia para dar o próximo passo na direção que eu quiser. É como o paradoxo dos alongamentos. No limite da dor, expirar e aceitar a experiência leva à diminuição do que parece insuportável. Por momentos parece que podemos permanecer assim eternamente.

Como costumamos dizer na Oficina Clown: está tudo ok, não há certo, nem errado. Quem tu és, com o teu caminho percorrido e os teus desejos para o futuro, são válidos. A validação de cada passo no caminho e a gratidão por cada pedra em que tropeçaste, traz a possibilidade do próximo passo ser mais leve e firme, sem estar preso no passado.

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18 opiniões sobre “Alguma vez te sentiste no caminho errado?

  1. Já tinha saudades de te ler! Vontade de encontrar a minha palhaça num espaço seguro, sem certos nem errados! Obrigada pelos encontros vividos e por os fazeres continuar aqui. *

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  2. Ainda bem que voltaste a escrever! Que inveja da tua “transparencia”, sem capas, e sem esconderijos. Isso nao é fácil mas deve ser muito bom… a terapia deve ajudar e as sessoes Clown tambem. onde estas a fazer o curso de Psicoterapia Corporal?

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  3. Olá Rodrigo, saúdo o teu regresso em força e em forma, com um livro que lerei de bom grado. O tema que propões hoje suscita-me a reflexão de que não me lembro de alguma vez ter questionado a escolha profissional. Mas penso que pouca gente terá a certeza de bem escolher, excepto talvez os jovens que “sabem” que querem ser bombeiros, polícias, bailarinos, fadistas, etc. Todos os outros escolhem na incerteza e depois gerem os momentos críticos como sabem e podem. Termino dizendo ainda que eu prefiro simplificar tudo na vida, descomplicando e tentando em cada dia, em cada momento, seguir o melhor caminho possível. E que adianta se não acertei? Dirás que me reduzo e limito, ficando-me contente com o destino e conformado com a desgraça, como um bom católico. Que não sou! E de resto sempre procurei superar-me em tudo o que fiz na vida.
    Abraço
    JG

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    1. Olá Jorge.

      Obrigado pela tua partilha, como sempre é autêntica e rica.
      Nunca diria que simplificar a vida, tentando seguir o melhor caminho possível, é uma redução e limitação.
      Pelo contrário penso que faz parte da sabedoria da vida. E acrescentaria que a verdadeira sabedoria é saber fazê-lo com ternura para comigo próprio.

      Abraço

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  4. Caro Rodrigo , gostei muito de conhecer o teu percurso post-Colegial. Como teu professor e coordenador de ano, numa altura em que não havia directores de turma nem psicólogos, era eu o “bombeiro de serviço” para todo o curso… Sempre senti que havia algo que se passava contigo, pois muitas vezes te vi alheado do que se passava à tua volta! Contudo, como bom aluno que foste e que, quando chamado à atenção, logo reagias positivamente, pensava que era “feitio” e não que andasses a “navegar em incertezas” sobre a vida!…Encontraste finalmente algo compatível com a tua maneira de ser, e ainda bem! Segue esse caminho em que te sentes bem, pois é aquele em que te vais realizar, estar bem com a vida e ser feliz… Oxalá o consigas, são os meus votos. Vou ler o que livro que entretanto escreveste. Não me esquecerei do “feed-back”…Um grande abraço de amizade.

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  5. Meu caro Rodrigo, como vai sendo habitual, para além de mais uma vez te parabenizar por este ótimo texto e tb pelo livro que juntamente me chegou e vou ler mais logo, começo o comentário por relevar uma passagem do artigo.
    “A psicoterapia tem-me ajudado muito nesse processo de aceitação, de quem sou e dos passos que dei até aqui. Essa aceitação não tem funcionado como uma resignação, mas sim como uma fonte relaxada de energia para dar o próximo passo na direção que eu quiser. É como o paradoxo dos alongamentos. No limite da dor, expirar e aceitar a experiência leva à diminuição do que parece insuportável. Por momentos parece que podemos permanecer assim eternamente.
    (…) Quem tu és, com o teu caminho percorrido e os teus desejos para o futuro, são válidos. A validação de cada passo no caminho e a gratidão por cada pedra em que tropeçaste, traz a possibilidade do próximo passo ser mais leve e firme, sem estar preso no passado.”
    Aqui está muito do recomendado sobre a Vivência com Qualidade de Vida. A minha existência, 80 anos dos quais 60 preenchidos com trabalho remunerado (militar dos 18 aos 60 e docente no ensino superior dos 60 aos 78) e agora continuação de elevada ocupação como cuidador informal da minha mulher (DP/acinésia), obrigam a deixar aqui testemunho, em termos de apontamentos, para uma comunicação que se podia intitular, “Estratégias de Comunicação a desenvolver para se conseguir envelhecimento com Qualidade de Vida”, que se podia proferir, por exemplo, na Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar (20 minutos de intervenção e 70 de debate). Na verdade a experiência adquirida diz-me que o mais importante consiste na interligação daquilo que se vai fazendo com o desejado para o futuro, mas importa ir acumulando competências e um mínimo de bens materiais, assim como ir conseguindo disponibilidades para continuar na aprendizagem académica acumulando saberes para utilizar nos desafios que nos forem proporcionados.
    Obrigado, continua.

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  6. Esta tarde de Quarta foi para o teu livro, com pausa a meio para um iogurte. Já te tinha dito que escreves muito bem, ia dizer bem demais. Escreveste um excelente conto, num português escorreito, agarrando o leitor logo de início, surpreendente e com um final perfeito. Creio que estamos a assistir ao surgimento de um grande escritor. Tens tudo para o poder vir a ser.
    Parabéns Rodrigo.
    JG

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  7. O paradoxo dos alongamentos – No limite da dor, expirar e aceitar a experiência leva à diminuição do que parece insuportável. Isto é tão bom!!! Vou passar a citar-te como se cita um escritor, um génio ou um filósofo famosos.

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  8. Quando te estava a ler toda a minha cabeça arrepiava. Obrigada pelas tuas palavras tão bem encaminhadas à inquietude do meu coração. É delicioso ler te.

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  9. Meu caro Rodrigo, terminei agora a segunda leitura do livro. Pretendi com ela confirmar que se lê num fôlego, em ambas me “agarrou”, gostei muito. Como outros tb incentivo o Rodrigo a continuar a escrever dando força, e alimentando, o seu potencial como escritor. Parabéns. Continua.

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