Foi durante uma aula de Pilates que me apercebi da tristeza que me invadira.
À segunda-feira costumo ir treinar antes de regressar a casa. É um momento importante, durante o qual estimulo a consciência do meu corpo e invisto na minha saúde. Há uns tempos estava deitado no reformer quando me apercebi de que estava ausente. A minha mente deambulava por questões existenciais, como um trotamundos a revisitar memórias na busca de uma resposta que não se encontra em parte alguma. É uma estratégia que eu pratico para não entrar em contacto com algo desagradável. Esforcei-me por trazer o foco para a força que estava a ser exigida aos meus abdominais e para o alongamento que as cadeias musculares necessitavam. A súbita consciência corporal trouxe-me novas notícias do interior e apercebi-me de um peso no peito, como se me tivessem depositado em cima uma bigorna de aço. Foi nesse momento que percebi que estava triste.
Não sou muito proficiente em lidar com a minha tristeza. Tenho dificuldade em chorar e torno-me macambúzio, alheando-me de quem está à minha volta, sem perceber que o estou a fazer. Naquele dia, ao caminhar de regresso a casa, decidi que iria experimentar partilhar o que sentia com os meus filhos. E depois de ter tomado essa decisão tive dúvidas de que fosse o mais correto. Fi-lo na mesma.
O coração a sentir-se pequenino
Esperei que estivéssemos todos sentados à mesa para jantar, já serenos (na medida do possível), para partilhar:
Hoje chego triste. Estou abatido, com pouca vontade e com pouca paciência.
Porque é que estás triste, Papá?
Entrevistei uma pessoa para o trabalho e gostei dela, mas não acreditei que tivesse a capacidade necessária para trabalhar connosco, por isso disse-lhe que não podia entrar na empresa.
E porque é que isso te deixa triste?
Não sei bem. Apesar de a minha cabeça me dizer que fiz o mais correto, o meu coração sente-se pequenino com medo de ter magoado a outra pessoa.
A conversa sofreu uma curva e quiseram perceber como é que eu avaliava as pessoas. Expliquei que vou fazendo perguntas e estou atento a três aspetos: a integridade, a motivação e a capacidade.
O que é integridade?, perguntaram.
É uma pessoa que tem valores de vida e que os segue. Ou seja, que faz o que diz.
Isso não é chorar
Então surgiu a acusação: Nunca te vimos chorar Papá!
Ao que eu respondi atabalhoadamente:
Então, basta olhares para mim durante um episódio da Anne with an E.
Isso não é chorar, argumentaram. Chorar é assim [fecharam os punhos, golpearam o ar, enquanto faziam barulho de choro]. Nunca vimos um adulto chorar a sério!
Depois deles irem para a cama, fiquei a falar com a Carla sobre a conversa que acabáramos de ter à mesa. A bigorna no peito tinha desaparecido. Percebi que poder partilhar o que me vai na alma com os meus filhos é poderoso. Deixá-los ver-me na minha fragilidade. Ser confrontado com as suas perguntas inocentes.
A minha tendência habitual é esconder a tristeza, apesar de saber que a emoção está para ali a expressar-se não verbalmente de todas as formas possíveis. Felizmente a experiência está a mostrar-me o contrário. Dar-lhes acesso a partes do meu mundo interno torna-me mais calmo, a eles mais maduros e, melhor ainda, torna-nos mais cúmplices.
Obrigado por mais esta partilha Rodrigo.
Os pequeninos têm de facto o dom da simplicidade que ajuda a descomplicar e ultrapassar problemas de uma forma mais leve e rápida. Estou curioso para ver como vão reagir os meus quando partilhar com eles uma situação idêntica. Precisam é crescer mais um bocadinho.
Abraço amigo.
Gabriel
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Meu caro Rodrigo, claro que é vital para um vida de permanente bem-estar cumprir, mesmo, o teu terminar a partilha neste caso com os filhos, mas podendo ser no futuro com outras pessoas, daqui na minha “classificação” das amizades considerar vital a existência de uma ou duas amizades íntimas. No teu texto destaco como a merecer conversão prioritária a tua “tendência habitual”: “A minha tendência habitual é esconder a tristeza, apesar de saber que a emoção está para ali a expressar-se não verbalmente de todas as formas possíveis. Felizmente a experiência está a mostrar-me o contrário. Dar-lhes acesso a partes do meu mundo interno torna-me mais calmo, a eles mais maduros e, melhor ainda, torna-nos mais cúmplices.” Um abraço da mais elevada consideração e muita amizade.
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Sempre surpreendente pela coragem de partilhar com os filhos familia e amigos. E sem dúvida que isso deve ajudar a crescer melhor mais forte e mais cúmplice
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Obrigado, Rodrigo! 🤗🙏🙌
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És tão lindo! E que sorte a dos teus filhos por esta entrega e nudez que nem sempre é fácil mas é valiosa para a forma como olham o mundo (adulto)!
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Fiquei um bocado confuso porque não esperava o tema. Não sei se concordo totalmente Vou ter que me concentrar.
Abraço
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És o meu PAPÁ
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Belo artigo, Rodrigo! Grata por compartilhar sua sensibilidade.
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Adorei Rodrigo!!
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Concordo plenamente com essa partilha com os teus filhos do teu estado de espírito de tristeza. Os filhos surpreendem-nos com as respostas que sempre têm para nos dar.
Abraço,
JG
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Tão bom Rodrigo! Obrigado, um abraço
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Tão bom Rodrigo! Obrigado, um abraço
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