Sou o irmão mais novo de três. Bem mais novo. Quando cheguei ao mundo, já a minha irmã tinha dez anos e o meu irmão tinha oito. Os meus irmãos amaram-me desde o início e em parte foi como ter mais dois pais. Tanto se preocupavam com o meu bem-estar, como me exigiam ser a melhor versão de mim próprio. E os adolescentes sabem bem como ser exigentes.
Esta diferença de idade permitiu-me ter um ponto de vista distante sobre o tema da equidade entre irmãos. Eu estava tão longe de poder sair à noite sozinho, que nunca me passou pela cabeça exigir esse direito quando eles o começaram a fazer. E quando chegou a minha vez, eu não tinha memória de quais tinham sido os direitos que eles tinham conquistado. De alguma forma, nisso foi como se eu fosse filho único. Quando se discutiam os direitos de cada um dos filhos lá em casa, eu ficava curioso com a argumentação do meu pai, que de uma forma resumida dizia o seguinte:
É importante cuidar da equidade entre filhos e isso não significa que devamos tratá-los de forma igual.
Ao ouvir esta ideia, parte de mim sente injustiça. Como é que podemos ser tratados de forma diferente? Isso quer dizer que há preferidos? Que um de nós vai ser beneficiado? Que não exigem dos meus irmãos aquilo que exigem de mim? É tão interessante como esta possibilidade de não igualdade entre irmãos me suscita um olhar tão exigente e tão crítico. Quando me conecto com esta sensação de injustiça parece-me que é ela a fonte de tantos conflitos infantis entre irmãos adultos. Quem é que não conhece uma família cujos irmãos deixaram de se falar por causa das heranças? Eu conheço várias. E o que são as heranças senão a derradeira disputa sobre a igualdade de tratamento dos pais para com os filhos? Hoje que sou pai de duas crianças, quando penso sobre a afirmação do meu pai, percebo que, na verdade, ela não era injusta, era muito inteligente.
Às vezes, cá em casa, surge o clamor pela igualdade de direitos, seja da parte da minha filha, seja da parte do meu filho. Se o tempo que têm para jogar no tablet não é igual, se um comeu a última laranja, ou se um deles tem de pôr a mesa sozinho duas vezes seguidas, instala-se imediatamente a revolta. Acenam-se bandeiras, queimam-se pneus e ameaçam-se greves! Não é bem isto, mas às vezes parece. Eu acho importante que eles aprendam a reinvidicar os seus direitos, mas nestes momentos de revolta fica difícil perceber se há realmente alguma injustiça a ser cometida, ou se há uma dificuldade em lidar com as contrariedades da realidade.
A última laranja
Exemplo: estamos a jantar, um deles termina de comer, levanta-se, coloca o prato na máquina de lavar, pega numa laranja e vem-se sentar. Nesse momento, o outro apercebe-se que é a última laranja e começa a refilar que já não há laranjas para ele. O que é que eu faço?
Hipótese 1 – Corto a laranja ao meio e dou metade a cada um. Ensino-lhes a generosidade de perguntar se mais alguém quer quando é a última porção de comida. Ensino-os a pensar nos outros.
Hipótese 2 – Proponho ao filho que está a refilar que escolha outra fruta pois só há uma laranja e ela já tem um dono. Se fosse ao contrário ele também não gostaria que eu lhe tirasse a laranja. Ensino-o a lidar com a frustração de que nem sempre conseguimos o que queremos. Ensino-o a não ficar preso à sua revolta e a gostar de kiwis.
Qual das hipóteses escolherias?
Imagina agora que na verdade o filho que refilou nem sequer queria laranja e que acaba por não comer a sua metade até ao fim. Só refilou por uma questão de justiça!
É nestas situações que é importante cuidar da equidade entre eles. Eu não sei qual é a hipótese certa, ambas já aconteceram cá em casa. O que eu sei é que seja qual for a solução para o conflito não deve partir de uma preferência por um deles. Deve partir daquilo que eu acredito que será melhor para cada um, cuidando de que fique claro que não há preferências, há aprendizagens. O que nos leva a uma nova hipótese:
Hipótese 3 – conversar com eles, compreendê-los e decidir.
Cada filho, cada dança
A inteligência do argumento do meu pai está na consciência de que tratar os filhos de forma igual vai implicar que, a cada decisão, esse tratamento possa ser inadequado para um deles. Se um dos meus filhos for super cumpridor de regras e tiver dificuldade em relaxar, o que ele mais precisa da minha parte é que eu não me zangue quando comete um erro. O sistema nervoso dele precisa de referências de que é ok não ser perfeito. Ora, isso pode ser exatamente o oposto do que se passa com um outro meu filho, que nunca cumpre regras e é super relaxado. O que este segundo filho pode precisar é de pequenas conquistas no cumprimento de regras, para que, aos poucos, vá construindo um sentido de responsabilidade possível, sem cair permanentemente na frustração. Estas duas formas de lidar com as ações destes dois hipotéticos filhos não se coadunam com a ideia de tratar os filhos de forma igual. Mas também não justifica a iniquidade entre eles.
Tratar os filhos de forma igual é ignorar a sua individualidade. Não cuidar da equidade das decisões em relação a eles, é promover um profundo sentimento de injustiça que se propagará perante as permanentes injustiças da vida real.
Eu percebi há muito tempo que este tema é um grande desafio para mim. Apesar de toda esta minha reflexão, é comum a acusação de injustiça cá em casa. Da minha parte continuo a tentar encontrar a dança certa para cada um deles, ao som das palavras do meu pai. Reside em mim a certeza que não tenho preferências entre eles e que amo profundamente a sua individualidade, mesmo quando me tiram do sério.
Meu caro Rodrigo, mais um tema da maior atualidade.
Como gosto de fazer começo por relevar passagens, “Quando se discutiam os direitos de cada um dos filhos lá em casa, eu ficava curioso com a argumentação do meu pai, que de uma forma resumida dizia o seguinte: É importante cuidar da equidade entre filhos e isso não significa que devamos tratá-los de forma igual. Ao ouvir esta ideia, parte de mim sente injustiça. Como é que podemos ser tratados de forma diferente? Isso quer dizer que há preferidos?” e depois outra passagem, “Da minha parte continuo a tentar encontrar a dança certa para cada um deles, ao som das palavras do meu pai. Reside em mim a certeza que não tenho preferências entre eles e que amo profundamente a sua individualidade, mesmo quando me tiram do sério.”.
Perfeito concordo totalmente com o procedimento dum pai do século XXI. Em termos de opinião resultante da experiência de quase 83 anos de idade, 58 de casado, três filhos (duas mulheres de 58 e 53 anos e um homem de 55) e cinco netos (28/26/24/22/17), posso acrescentar que para o Rodrigo manter as certezas de não ter tido preferências pela vida fora, mesmo quando ultrapassar os 95/100 anos, deve sentir que continua coerente e relevando sempre a Verdade, embora fazendo algumas adaptações emergentes de aprendizagens da época, nos conselhos, conversas e práticas vivenciais dos ambientes familiares, profissionais, culturais e de lazer.
Continue, está no caminho certo.
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Obrigado pelas tuas palavras António. Coerência e Verdade são sem dúvida dois ingredientes importantes para a equidade entre filhos.
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Eramos 3 irmãos e esse problema nunca se sentiu em casa. O meu pai era a pessoa mais justa que eu conheci. Adorava-nos a todos de forma igual. Não tenho, nem nunca tive essa dúvida. Ele vivia para nós. Eramos a sua maior alegria. Bastou ser uma pessoa justa para nunca termos sequer percebido que poderia ter havido disputas entre nós. Ainda hoje (somos apenas 2) e sempre nos ajudamos um ao outro sem disputas e sem sentimento que um poderia ter sido mais beneficiado que o outro. Foi isso que aprendemos com ele. Apesar da diferença de idades dos meus filhos, onde percebo que na parte monetária é impossível controlar o que se dá a um e o que se deu a outro, eu acho que o mais importante é apoiar, discutir (no bom sentido) as suas decisões e ajudar sempre que precisam de nós, não existindo uns preferidos e outros preteridos. Sendo os pais pessoas justas, nenhum deles se sentirá mal por isso. Nós precisamos dos nossos pais a vida toda e quando eles nos faltam, perdemos o nosso maior apoio, perdemos o chão e muitas vezes o rumo. Se os pais estiverem presentes, houver diálogo, amor, carinho e justiça…., tudo o resto funciona muito bem.
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Obrigado pela tua partilha Anabela. Não há dúvida que se os pais forem uma base segura, tudo o resto é mais fácil.
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Olá Rodrigo,
O teu pai tinha razão, claro. Como bem sabes cada pessoa é um mundo de comportamentos e de personalidade e requer a sua atenção, e daí o paradoxo: trata-los com equidade é trata-los desigualmente. Eu senti na pele a diferença de tratamento que a minha mãe teve de dar ao meu irmão porque ele nasceu tinha eu 11 meses, logo eu deixei de ter os mimos da mãe desde muito cedo e fui criado pela minha avó , tendo uma ama de leite. Mas, ao contrário do que me diziam (que tinha sido menos acarinhado) eu compreendi que a minha mãe assim procedesse: o meu irmão requeria mais cuidados do que eu. E, já agora, sem mãe e pai, hoje ainda eu cuido algo dele.
Quanto às desavenças entre irmãos por causa de heranças, eu percebi muito cedo isso e decidi deserdar-me: aos 20 anos comuniquei aos meus pais que não queria nada do património deles, que abdicava em favor do meu irmão. E assim foi. Finalmente, quanto à opção que faria nas 3 que propões, não tomaria nenhuma. Deixava-os chegar a uma entendimento.
Sempre a abraçar-te.
JG
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Obrigado pela tua partilha tão generosa Jorge. Gosto da tua opção. Abraço
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O meu pai era adepto de equidade,
Sou a mais nova de 3 filhos e lembro-me de ter recebido uma maquina de calcular muito antes de ter precisado dela só porque a minha irmã mais velha precisava e nessa altura o meu pai comprou 3 iguais , uma para cada filho
Fazia-o se calhar porque el proprio tinha sentido um tratamento desigual mas acho que o fazia porque tiha receio que quando chegasse a vez do soutros pudesse não ter dinheiro para o fazer.
É claro que parece um bocado parvo dar uma maquina de calcular a quem ainda nao precisa mas era a forma como ele sabia fazer e eu não julgo.
Quando chegou a minha vez de ser mãe sempre tive cuidado em não fazer distinções embora reconhecendo que cada um deles era diferente.
Lembro-me de uma historia que é muito reveladora.
Os meus filhos forma genericamente bons alunos 4s e 5s mas o mais velho tinha grandes dificuldades a Historia.
E pediu à tia que tinha sido professora de Historia para o ensinar para que saisse do “Satisfaz menos”.
Andou em explicações com a tia e um dia lá conseguiu tirar um Bom a História.
Nós compramos-lhe um livo dos dinossauros, que era a sua grade paixão para celebrar o feito.
O irmão insurgiu-se
“Pois vocês dão-lhe u livro por ele ter tirado Bom a historia e eu que tiro sempre MB a matematica não me dão nada”
Tivesmos que explicar que o irmão tambem tirava sempre MB a matemática e que não recebia nada por isso mas sobretudo que estavamos a premiar o esforço e não o resultado.
Acho que ficou entendido e ainda hoje se lembram disso.
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