Despir o fato de super pai

Estou a lavar tranquilamente os dentes, sozinho, na casa de banho, quando ouço um grito. Não toques na minha mochila! São oito da manhã e se os vizinhos ainda não estavam acordados, agora estão. Espreito pela porta entreaberta e vejo um dos meus filhos a mexer na mochila do outro. Não toques na minha mochila! Repete-se o grito, desta vez ainda mais alto, ainda mais zangado. O meu impulso é sair disparado da casa de banho e matar a discussão com a minha autoridade. Depois um outro instinto recorda-me o que um pai de adolescentes me disse um dia:

Escolhe as batalhas importantes e não te metas no resto.

Relaxo dentro do possível e termino de lavar os dentes. Aquela batalha não é minha. Quando chego ao pé deles está tudo tranquilo. Apetece-me dar-lhes um sermão. Detesto que gritem zangados um com o outro. Ao mesmo tempo sei que às vezes é a única forma que lhes é possível de colocar limites. E por muito que eu queira, eu não sei o que é estar na pele deles.

O dilema

Este relaxar perante certas situações que assisto em casa é uma nova fase para mim. Tem por detrás um pensamento importante: eu não vou lá estar sempre e é importante deixar que o fluxo que vai das ações às consequências chegue ao fim sem manipulação minha. Ou seja, é cada vez mais importante que eles sintam que são responsáveis por eles próprios.

Esta nova fase parece-me ter um dilema interessante que se situa na fronteira entre o respeito e a minha arrogância. De um lado está a importância dos meus filhos perceberem que eu e a mãe ainda somos os adultos da família. Eles não têm as mesmas responsabilidades que nós e por consequência não têm os mesmos direitos. Continua a ser nossa responsabilidade educá-los e isso inclui continuar a colocar limites. Do outro lado está eu compreender que não sou um super-homem, que tenho falhas e que é importante validar a sua compreensão das minhas falhas. Isto inclui pedir desculpa quando erro, pedir ajuda quando preciso, não querer ter sempre razão, mesmo quando a tenho e perceber que eu realmente não sei o que é melhor para eles. Só acho que sei.

A desilusão

Não é fácil despir o fato de super-homem-sabe-tudo que chega com a promoção a pai, mas parece-me, cada vez mais, inevitável. Nunca na minha vida senti um olhar igual ao dos meus filhos. É um olhar inabalável de admiração e segurança. Perante esse olhar sinto-me mais sábio, mais forte, mais capaz do que na verdade sou. É uma ilusão que durante algum tempo alimentei com algum prazer.

Eu não vou deixar nunca que alguém vos faça mal.

Também me lembro de olhar assim o meu pai – aquele gigante temeroso capaz de enfrentar o mundo por mim. E lembro-me de descobrir lentamente que, na verdade, o meu pai é só um ser humano, com os seus desafios e as suas limitações.

Essa fase inicial em que nós pais nos tornamos super-heróis é essencial para que estes seres pequeninos, cujos sistemas nervosos ainda estão a amadurecer, possam construir-se em segurança. A fase em que me sinto a entrar também me parece essencial. É a fase da desilusão deles para comigo.

Estás sempre a dizer para não andarmos agarrados à tecnologia, mas tu não largas o telemóvel!

É a fase em que perante as perguntas difíceis está na altura de dar as respostas verdadeiras:

Papá, o que é que vai acontecer quando eu morrer?

Não sei… Nem ninguém realmente sabe. É um mistério que vais ter de resolver sozinho.

Desejo que eles venham a amar tanto este pai que não é super, como eu amo o meu.


7 opiniões sobre “Despir o fato de super pai

  1. Meu caro Rodrigo, quando ainda “preparo o regresso” com a resposta a “És extrovertido ou introvertido?”, surge, precisamente no Dia do Pai que aqui em casa se comemora a partir da Igreja Católica que lhe destina o “Dia de S José, esposo da Virgem Santa Maria”, este “Despir o fato de super pai” que talvez pudesse ser superpai criando nova palavra.
    Em primeiro lugar saliento do texto do Rodrigo uma parte de “O dilema”, nomeadamente, “Do outro lado está eu compreender que não sou um super-homem, que tenho falhas e que é importante validar a sua compreensão das minhas falhas. Isto inclui pedir desculpa quando erro, pedir ajuda quando preciso, não querer ter sempre razão, mesmo quando a tenho e perceber que eu realmente não sei o que é melhor para eles. Só acho que sei. “, para te dizer que concordo totalmente com o teu procedimento atual.
    Quanto ao futuro que se prolonga cada vez por mais anos , como extravertido que julgo ser, posso falar duma experiência que integra um pai de 82 anos que sempre procurou honrar o seu pai que hoje teria 106 anos , três filhos (57/55/53) e cinco netos (28/26/24/22/17). Nesta já muito longa vida para além do ambiente familiar ao percorrer duas carreiras profissionais de elevada participação humana, Exército dos 18 aos 60 e docência/investigação académica de nível universitário dos 60 aos 78 anos e ainda participar em diversos outros mundos de aspetos sociológicos, posso dizer ao Rodrigo que é bom sentir o apreço, e até a honra, que nos dedicam os outros, mas o que mais desejamos, o que mais sentimos que nos faz bem, mesmo à saúde quando dela necessitamos, é sentirmos que os filhos nos apreciam, nos escutam e até gostam de conhecer os nossos textos (ler o que escrevemos, ontem e hoje). Continua, estás no caminho certo.

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  2. Olá Rodrigo,

    Ser pai é também uma arte. Os filhos serão muito os pais que tiveram. O meu pai só me castigou uma vez para me separar do meu irmão, pois estávamos engalfinhados. De resto deixávamos gerir as nossas crises. Hoje também eu, tal como tu e os teus filhos, recordo o meu pai e ocorre-me que amaria estar sentado com ele, ambos velhos, conversando como muitas vezes fizemos. Então far-lhe-ia as perguntas que acabei por não ter tempo de fazer.
    Que tenhas um bom dia do Pai, no seu duplo sentido.
    Abraço,
    JG

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  3. Ser pai, ser avô… é entender as gerações. Vejo esse lindo relacionamento da seguinte maneira:

    TRÊS ANDAMENTOS
    (Aos meus três filhos e três netinhos)

    Para os filhos fui “Herói”,
    Mas hoje o coração dói
    Por ser fraca a serventia…
    Sinto chegado o Outono
    Como barco ao abandono
    Vogando em maré vazia.

    Para os netos sou “Palhaço”
    Já não lhes comando o passo
    Mesmo sendo General…
    Que bom é vê-los crescer
    E ajudá-los a saber
    Distinguir o Bem do Mal.

    Para a formação do Ser
    O mais importante é ter
    Valores para lhes dar.
    Nesta rápida passagem
    Há que reter a imagem
    Do que, de bom, vão lembrar.

    Com um beijinho do Avô
    João Afonso

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  4. OS super pais queriam filhos que mais tarde lidam mal com as adversidades. É bom que os filhos sintam os pais como reais, que tambem erram que tambem têm duvidas.
    Quanto às guerras entre irmãos lembro-me dos meus filhos que tem cerca de 3 anos de diferença haver uma fase que se pegavam constantemente. O mais velho batia o mais novo insultava chamando nomes que não sei onde teria aprendido. temtavamos arbitrar mas ficavamos sempre com a sensação que podiamos não ter sido justos. Até que um dia decidimosque da proxima não iriamos perguntar quem tinha começado ou quem tinha razão, da proxima vez iriam os dois de castigo. As guerras acabaram, passaram a unir-se “contra nós” pais . E depois tranquilamente tudo foi ao lugar

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