Eu tinha sete anos quando um dia, fechado na casa-de-banho grande (aquela cuja banheira não estava atafulhada de tralha), me surgiu uma pergunta que nunca mais me largaria ao longo da vida: como é não existir?
A minha mente inexperiente escorregou na pergunta e dei por mim a cair aos trambolhões para um abismo escuro sem saída. Em pânico esforcei-me por voltar à superfície. As paredes a que me agarrava eram escorregadias e a possibilidade de não existir teimava em não me largar a pele, puxando-me na direção do abismo. Precisei do calor de um abraço sólido – o aconchego dos braços do meu pai, que aos sete anos me parecia invencível (o meu pai é militar, argumentaria eu no recreio da escola) – para me calmar. Deixei-me enganar pela sensação de segurança. Estava tudo bem. Eu não precisava de ter medo. A ideia de não existir regrediu para um recanto na minha inconsciência e passou a operar na sombra.
A vida continuou e eu não deixei de existir. Estudava, marchava, jogava computador e mergulhava no mar. A minha família insistia em fazer aletria no Natal. As manhãs de Verão em Santa Cruz eram nubladas. As coisas pareciam que iam durar para sempre. Talvez não precisasse mesmo de pensar nisso. Talvez eu fosse especial. Talvez eu nunca deixasse de existir. Talvez. O doce-amargo de uma dúvida que era em si mesma uma ilusão.
Quando fiz dezoito anos descobri que a minha existência não tinha sido planeada pelos meus pais. Eles contaram-me nesse dia ao pequeno-almoço. De repente, a diferença de idade para os meus irmãos tinha uma explicação muito mais lógica do que a história de ter sido encontrado no lixo (história que os meus irmão gostavam de me impingir). Eu nascera porque assim tinha que ser. A descoberta encaixava perfeitamente na minha mitologia pessoal. Eu era especial.
Acho que foi por esta altura que comecei a questionar-me sobre o significado da vida. Uma parte de mim, mais egóica, queria descobrir um propósito, um grande significado para a minha existência, como se a resposta a essa pergunta resolvesse toda a minha ansiedade. Talvez já te tenhas cruzado com o tipo de perguntas que eu me colocava: Qual é o meu talento? O que é que eu devia estar a fazer? O que é que eu vim à Terra fazer? O que é que o mundo espera de mim?
Quanto mais me perguntava, mais perdido me sentia na ambiguidade dos meus pensamentos. Parte de mim, acreditava que sim, que havia um significado para a minha existência, eu só tinha de me esforçar mais para descobrir qual era. Outra parte, concluía que não havia nenhum significado para a vida. Que eu era apenas o resultado caótico da interação entre infinitas variáveis.
Felizmente, um dia comecei a conversar com o Ricardo Lapão sobre a ambiguidade das minhas questões e nunca mais parei. Descobri nele uma perspetiva diferente, mas a mesma inquietação. Passámos mais de uma década a debater ideias, a tentar ir para lá do óbvio, desconstruindo argumentos, aceitando contradições, reconhecendo o sentir de cada um. Durante esse tempo, casei-me, tornei-me pai, fiz psicoterapia, tornei-me psicoterapeuta e um outro sem fim de coisas aconteceram que transformaram para sempre a minha forma de ser, de pensar e de sentir. Ainda assim, as perguntas inquietantes mantém-se. Como é não existir? Qual é o significado da vida? Felizmente as conversas também continuaram.
Se estas perguntas também te inquietam, talvez gostasses de escutar o nosso pensamento e o nosso sentir. Agora isso é possível. Eu e o Ricardo, num ato de coragem e alguma loucura, decidimos gravar um podcast de sete episódios durante os quais conversamos sobre o significado da vida. É uma partilha despretensiosa, sem filtros, durante a qual abordamos temas como a morte, o prazer, a evolução e a transcendência. Se te interessar podes encontrar o podcast nas seguintes plataformas:
Todo o feedback é bem-vindo 🙂
Aprendi que não há receitas para a arte de ser Pai, mas acredito que a partilha da minha experiência pode ajudar outros pais a lidarem com os sentimentos de culpa, exaustão e raiva que facilmente se inflitram na vida familiar. Por isso escrevi o livro Tornar-me Pai. É um excelente presente para pais, aqueles que acabaram de o ser, aqueles que já andam nisto há uns anos, aqueles que são pais de pais e os que sonham vir a ser.